Arquivo do mês: julho 2014

cabeceira

Intratável.
Não quero mais pôr poemas no papel
nem dar a conhecer minha ternura.
Faço ar de dura,
muito sóbria e dura,
não pergunto
“da sombra daquele beijo
que farei?”
É inútil
ficar à escuta
ou manobrar a lupa
da adivinhação.
Dito isto
o livro de cabeceira cai no chão.
Tua mão que desliza
distraidamente?
sobre minha mão.

(poema de ana cristina cesar, à página 106 do livro ‘poética’ – cia das letras, 2013)


Antes do alvorecer

O morto não morre,
não há colo nem cruz
onde repousa o que palpita cego
e lancinante pervaga.
Sei que me olha de uma fenda quântica,
mas eu o queria aqui, comigo,
delirante, fraco, mas comigo,
junto comigo, o meu querido irmão.
Numa carta lingínqua me escreveu
‘Somos de Deus, irmã’.
Uma bela antífona ao choro desta noite
até que chegue o amanhã.

(poema de adelia prado, à página 45 do livro ‘miserere’ – record, 2014)


inscrições ao açorianos estão bombando

açorianos de literatura 2014 está bombando, informa a coordenação do livro de literatura da prefeitura de porto alegre, que promove o concurso.

por aqui.


o velho leon e natália em coyoacán

desta vez não vai ter ter neve como em petrogrado aquele dia
o céu vai estar limpo e o sol brilhando
você dormindo e eu sonhando

nem casacos nem cossacos como em petrogrado aquele dia

apenas você nua e eu como nasci
eu dormindo e você sonhando

não vai ter mais multidões gritando como em petrogrado aquele dia
silêncio nós dois murmúrios azuis
eu e você dormindo e sonhando

nunca mais vai ter um dia como em petrogrado aquele dia
nada como um dia indo atrás de outro vindo
você e eu sonhando e dormindo

(poema à página 42 do livro “paulo leminski: melhores poemas”. seleção de fred góes e álvaro marins. editora global, 2002)


inscrições ao açorianos de literatura até sexta

açorianos de literatura 2014 inscreve até dia 25 de junho, ou seja, até sexta-feira.

liguem-se.

açorianos de literatura


torquato neto

belíssimo o site em memória da obre de torquato neto – o anjo torto.

visita lá.

a biografia foi publicada pela nossa cultura.

Torquato


O porto

Chegará à própria alma?

Se estiveres com uma mulher
desiste de tocar-lhe a alma.

Desiste
de apalpar tua alma
no poço de água viva
da alma dela.

Contentem-se, ambos,
com a viagem
que os conduz ao abismo.

Cuidado com o vinho:
é matreiro,
costuma levar consigo
a alma do companheiro.

Mas olhem, sempre,
ao derredor.

Às vezes, quem a leva
não é o vinho

é quem dos dois
ficou mais sozinho,

Poema de Armindo Trevisan, do livro Adega Imaginária (L&PM, 2013, p. 16)


sobre o que diz o poeta

sobre o que escorre dos dedos do poeta.

“(…) é ingênuo afirmar que, visto não sabermos se o poeta pensou no que está dizendo, estamos impedidos de saber o que está ‘atrás’ ou ‘dentro’ do poema. Na verdade, não pensou, conscientemente, nada daquilo que está no poema, simplesmente porque não se pede ao poeta que pense, mas que sinta, e o que ele sente está no poema como virtualidade:  se o leitor sente que o poema lhe faculta pensar em determinada ideia ou ‘situaçãv, é porque o poema a contém, ou emprega o sinal que conduz até lá. Pouco importa que o poeta não o dissesse expressamente ou não tivesse consciência disso. Ao ler as impressões ou a crítica dum leitor agudo, o poeta pode dar-se conta de hacer dito mais o que supunha ter feito”‘.

MOISÉS, Massaud. A criação literária: poesia. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 91


Prefácio

Quem fez esta manhã, quem penetrou
À noite os labirintos do tesouro,
Quem fez esta manhã predestinou
Seus temas a paráfrases do touro,
As traduções do cisne: fê-la para
Abandonar-se a mitos essenciais,
Desflorada por ímpetos de rara
Metamorfose alada, onde jamais
Se exaure o deus que muda, que transvive.
Quem fez esta manhã fê-la por ser
Um raio a fecundá-la, não por lívida
Ausência sem pecado e fê-la ter
Em si princípio e fim: ter entre aurora
E meio-dia um homem e sua hora.

Poema de Mário Faustino publicado à página 71 do livro “O homem e sua hora e outros poemas” (Cia das Letras, 2002)


o beabá da poesia – fonemas e sílabas

vogais e consoantes são fonemas, ou seja, unidades sonoras mínimas, que não chegam a fazer sentido.

pense em uma letra da palavra “palavra”. o “ele”, por exemplo; mais que uma letra, é um fonema.

um fonema, ou um conjunto de fonemas, produzidos em uma só emissão de voz constituem uma sílaba.

no exemplo acima, “pa” – “la” – “vra”.

observa que, na primeira sílaba, por exemplo, o fonema mais audível, ou saliente, é o “a”, por isso o chamamos de fonema fundamental, enquanto que o “p” apenas soa junto, por isso o chamamos de consoante.

em poesia, segue ensinando armindo trevisan, não trabalhamos com fonemas, mas sim com sílabas, as unidades fundamentais do ritmo.

diferentemente do que ocorre com a gramática convencional, em poesia separamos as sílabas pelo som.

para saber de quantas sílabas é formado um verso, escandimos (separamos) as sílabas poéticas.

observemos o primeiro verso do poema “o canto que canto”, de minha lavra, à página 64 do livro “Tempo Horizontal” (Edunisc, 2013)

meu canto é o canto que canto quando sozinho estou

escandido, fica da seguinte forma:

meu/can/to/éo/can/to/que/can/to/quan/do/so/zi/nho/es/tou

1         2        3     4    5         6      7      8      9     10        11  12  13   14   15   16

são, em seu total, 16 sílabas, haja vista que, ao escandir, no exemplo, a última sílaba é tônica; e deve-se parar, seguindo a sugestão de norma goldstein, na última sílaba tônica.

note o leitor, ainda, que as sílabas “fortes”, “tônicas” ou “acentuadas”, são em número de cinco: 2, 5, 8, 12 e 16.

dizemos, então, que o esquema rítmico do verso acima é 15 (2-5-8-12 – 16), ou seja, verso de 15 sílabas poéticas acentuadas em 2, 5, 8, 12 e 16.

ponto importante: timbre é o som de cada palavra, o que a torna, a um tempo, única e diferente das demais.